quinta-feira, 22 de junho de 2023

O que fará o governo Lula com a rede de hospitais federais?

 FONTE: https://anovademocracia.com.br/o-que-fara-o-governo-lula-com-a-rede-de-hospitais-federais-por-maria-de-fatima-siliansky-de-andreazzi/


O que fará o governo Lula com a rede de hospitais federais?

4 minutos de leitura
Hospitais federais são alvos de desmonte nos sucessivos governos. Foto: CNN
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Programas de transição de governo, muito mais do que projetos eleitorais/eleitoreiros, indicam mais concretamente o que se espera da nova gerência. Os hospitais do Ministério da Saúde são uma rede enorme e bastante significativa, constituída de hospitais gerais e institutos especializados (os do Câncer, Traumato-Ortopedia, Cardiologia) espalhados principalmente na cidade do Rio de Janeiro e atendendo todo o estado. Os seis hospitais gerais da rede contam com mais de 1.600 leitos fora os desativados [1]: Hospital Federal do Andaraí (HFA), Hospital Federal de Bonsucesso (HFB), Hospital Federal Cardoso Fontes (HFCF), Hospital Federal de Ipanema (HFI), Hospital Federal da Lagoa (HFL), Hospital Federal dos Servidores do Estado (HFSE). O custeio de todas essas unidades chega a R$ 2,2 bilhões por ano. 

Por falta de pessoal, não funcionam com a capacidade máxima necessária para respaldar as necessidades de internação: por vezes até 40 por cento de seus leitos ficam fechados e a falta de pessoal tem sido coberta parcialmente com contratos temporários que geram insegurança imensa na continuidade dos serviços. Todo fim desses contratos, em torno de 2000 a 4000 postos de trabalho, gera o prenuncio de caos e fechamento desses hospitais. 

O governo Bolsonaro continuou e aprofundou esse desmonte dos hospitais federais, o que ficou muito agudo em função da pandemia de COVID, porém a crise vem de muito antes. O último concurso para os hospitais federais no Rio de Janeiro foi realizado em 2005 e os candidatos aprovados somente foram chamados em 2009 por decisão judicial demandada pelos próprios, já que o concurso caducaria. Sem a reposição regular, havia um déficit de 8.243 servidores, de acordo com a Defensoria Pública da União (DPU), em 2020 que não se resolveu.

Porque os governos Dilma, Temer e Bolsonaro não fizeram concurso para os hospitais, o que, sabidamente, iria gerar estabilidade e permitir a ativação dos leitos desativados? Qual a solução que o programa de transição do governo Lula aponta para resolver essa questão gravíssima, decorrente da qual uma fila para cirurgia ortopédica pode demorar 3 anos ou uma colonoscopia 1 ano?

No programa de transição para a saúde, que contou com a participação da atual Ministra, Nísia Trindade, na identificação dos problemas da rede especializada, se reconhece a redução dos atendimentos e o desabastecimento, porém não há uma linha referente a carência de pessoal. Logo, esse não é um problema para o governo que entra. 

Ao mesmo tempo, como ações prioritárias, propõe: Garantir acesso e reduzir filas para consultas, exames, cirurgias e procedimentos especializados, de início imediato. Onde e quem fará esses procedimentos? Ao mesmo tempo, se reconhece a redução do orçamento e se solicita recomposição de R$ 10,47 bilhões para o ano de 2023 e acréscimo de R$ 12,3 bi para atender aumento de demanda. Ou seja, a preocupação com recursos é certeira, mas para onde irá o dinheiro? Para enfrentar os obstáculos da rede especializada (os hospitais) propõe conclamar um esforço nacional para enfrentar as filas de consultas, exames e cirurgias existentes em cada região do país e qualificar o SISREG. 

Mas, especificamente para os hospitais federais já começa a ficar claro o projeto:

Segundo o TCU [2] seria válido, para avaliar a possibilidade da fonte de recursos para a unidade, considerar fatores como nível de entrega de valor para a população. — Sob essa linguagem saída dos MBAs empresariais, ele propõe remunerar os hospitais pelos resultados (e resultados em saúde é muito mais complexo do que num supermercado), porém não se compromete com recursos para que eles possam ter melhor desempenho e o principal é pessoal.

Avaliação do desempenho do hospital pela estrutura de governança, direcionando as ações assistenciais para a satisfação do usuário — Aqui uma linguagem obscura que só acende um alerta do que vem por aí.

Reavaliar o modelo de gestão da rede de hospitais do RJ vinculados ao MS. Aqui está a chave do entendimento do projeto que iremos comentar adiante, ou seja, porque o programa de transição não se compromete com a reposição do pessoal através de concurso.

Ocupação de cargos de direção sem observância de critérios técnicos. Novamente, talvez os MBAs empresariais façam diferença.

Somente não entende quem não quer entender: que o projeto do governo do PT, principalmente desde a criação da EBSERH (empresa) pelo governo Lula não é fortalecer o caráter público, o concurso público e o servidor na área de saúde. O alinhamento do governo com o discurso neoliberal que acusa o servidor público de inoperância vai ao encontro da necessidade de flexibilizar o gasto público, próprio das políticas de ajuste, ou seja, facilitar a demissão de trabalhadores e reduzir serviços. O mandonismo local, coronelismo e todas as formas de dominação pessoal que caracterizam nossa sociedade apontam para modelos de gestão também flexíveis para o nepotismo, a formação de clientelas e a corrupção como as Organizações Sociais. No caso dos modelos de fundação e empresa pública, o caminho é se transformarem em empresas mistas que possam atender tanto o SUS como os planos de saúde. A origem de toda essa política é a submissão ao Imperialismo, são as propostas do Banco Mundial para os hospitais públicos, através de parcerias público privadas, que parecem ser aceitas de bom grado e não como remédios amargos, para quem já defendeu um dia uma via eleitoral para o socialismo em contraponto ao movimento revolucionário do final dos anos 70 e início dos 80.

Os combativos servidores do Ministério da Saúde que se preparem. A EBSERH é exemplo de assédio aos servidores, modelo empresarial de metas e ambiente de trabalho que joga trabalhadores de diferentes vínculos uns contra os outros para melhor controle. Promete muito e entrega pouco, contratos não são cumpridos, há redução de atendimento e fechamento de serviços. Ela própria pode vir a ser a gestora dos hospitais federais, como foi vazado para a imprensa em dezembro.

Muito confete traz o programa de transição sobre os conselhos com participação dos movimentos sociais, fechados ou boicotados pelo governo Bolsonaro. Mas, no passado, na criação da EBSERH, o governo Dilma respeitou parecer contrário do Conselho Nacional de Saúde?


Notas:

* Presidente do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos (Cebraspo) e professora associada de Economia e Política de Saúde na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

[1] Dados aproximados. O sistema de informações atuais do SUS está tão propositalmente obscuro que não dá para imediatamente fazer uma série histórica dos leitos federais. Cada período tem um critério diferente de classificação.

[2] Sempre se acusa o TCU de indutor de reformas que o próprio governo federal apoia, como o caso da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares

Imagens de destaque: Hospitais federais são alvos de desmonte nos sucessivos governos. Foto: CNN

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