domingo, 10 de maio de 2015

Governo exige mais ressarcimento de planos de saúde ao SUS


Medida é direcionada a procedimentos ambulatoriais usados por seus clientes em unidades públicas

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Alessia Pierdomenico / Bloomberg

RIO - O governo vai apertar o cerco às operadoras de planos de saúde e praticamente dobrar o valor cobrado pelo atendimento de seus clientes pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Uma medida anunciada nesta sexta-feira pelo ministro da Saúde, Arthur Chioro, e pela diretora-presidente substituta da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Martha Oliveira, determina que as empresas também tenham que ressarcir o SUS por exames e terapias ambulatoriais de alta e média complexidade, como quimioterapia e hemodiálise. Até então, só as internações eram pagas.
Com a mudança, a arrecadação estimada para o primeiro trimestre do ano passado — que começa a ser cobrada este ano — deve aumentar em R$ 173 milhões e atingir um total de R$ 354 milhões. O dinheiro vai para o Fundo Nacional de Saúde, que financia ações de saúde pública. Já a fatura da nova despesa, temem especialistas, pode acabar pesando na mensalidade dos clientes dos planos.
São 113.693 atendimentos realizados no primeiro trimestre do ano passado que serão cobrados das empresas a partir da semana que vem. É um aumento de 149% no volume de procedimentos cobrados. De janeiro a março do ano passado, foram registradas 76.258 internações de clientes de planos de saúde na rede pública, totalizando uma fatura de R$ 181 milhões.

FINANCIAMENTO DO SUS

Outra novidade é que os juros sobre os valores que devem ser reembolsados passam a ser cobrados a partir da data de notificação à operadora. Antes, essas taxas só começavam a contar no fim do processo, quando a empresa não tinha mais como recorrer da cobrança.
— Para se ter uma ideia, a arrecadação do ano inteiro de 2014 (com a cobrança pelas internações) foi de R$ 393 milhões. Apenas no primeiro trimestre, que é a base que vai entrar agora em notificação (com a inclusão dos novos procedimentos), o valor soma R$ 354 milhões. Não significa que serão pagos, pois há processos de justificativa e recursos. Portanto, (a mudança) torna-se uma necessidade para poder aprimorar a gestão do SUS e, principalmente, enfrentar os nossos problemas de subfinanciamento — disse o ministro.

Segundo Chioro, a nova medida não vai aumentar os gastos nem pode ser questionada pelas operadoras, porque esta cobrança já era prevista.
— O aprimoramento do sistema de ressarcimento é capaz de produzir mais equidade à população brasileira, porque quem mais precisa do SUS vai poder agora contar com mais recursos, e ao mesmo tempo, quem compra o plano de saúde vai ter o serviço previsto no contrato — afirmou o ministro.

Especialistas em saúde pública e direito do consumidor consideram que o ressarcimento de procedimentos ambulatoriais de alta complexidade é bem-vindo, mas ocorre de maneira tardia. A medida foi criada pela lei 9.656 de 1998, que regulou o mercado de saúde suplementar, mas a cobrança só começou de 2000.

— É o cumprimento de uma determinação legal que estava na Lei dos Planos de Saúde e já previa o ressarcimento sem a restrição de exame de alta complexidade. O ressarcimento de procedimentos de média e alta complexidade representam muito mais que o de internações. No mínimo, espera-se que a cobrança seja retroativa — afirma o professor da Faculdade de Medicina da USP Mário Scheffer.
Segundo dados da ANS, até o ano passado, foram registrados R$ 1,410 bilhão em gastos, dos quais R$ 856,4 milhões foram pagos pelas empresas e R$ 553,6 milhões foram encaminhados à dívida ativa. Estudo do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, (Idec), mostra números um pouco diferentes: de R$ 1,6 bilhão cobrado pela agência para ressarcimento ao SUS só com internações, apenas R$ 621 milhões foram pagos.

— Essa falta de ressarcimento é um dos porquês de o SUS não funcionar bem. É um enriquecimento ilícito das operadoras de plano de saúde — afirma a advogada do Instituto Brasileiro do Consumidor (Idec) Joana Cruz.

DIFICULDADES NA COBRANÇA

Mas além de começar a valer, os especialistas alertam que é preciso verificar se os valores serão de fato pagos pelas operadoras. Segundo Scheffer, a cobrança do ressarcimento, se de fato ocorrer, forçará uma maior eficiência das operadoras, que deverão ampliar a cobertura, mas poderá acabar recaindo sobre o bolso do consumidor.

— A ANS não pode permitir esse tipo de reajuste, mas o risco existe — afirma.
Lígia Bahia, professora do Instituto de Saúde Coletiva da UFRJ, diz que é comum que planos de saúde recorram da obrigação de ressarcir os custos, alegando, por exemplo, que alguns serviços prestados na rede pública não constam do contrato fechado com o cliente. Como Scheffer, ela acredita que, se a regra passar a ser seguida com mais rigor, as empresas podem repassar os custos.
— O ressarcimento é esse ponto de tensão, porque se ele fosse efetivado, aumentaria o preço dos planos — avalia.

O problema passa ainda pelo imbróglio sobre tempo de prescrição, diz a advogada Daniela Trettel, pesquisadora da Faculdade de Medicina da USP. Segundo ela, enquanto o TCU defende que as dívidas com o SUS não prescrevem, a Advocacia-Geral da União, apoiada pela ANS, afirma que o débito vale por cinco anos. Já as operadoras, falam em prescrição após três anos da notificação.
— O SUS acaba atuando como parte da rede do plano. É uma total distorção — afirma Daniela.
A Federação Nacional de Saúde Suplementar (Fenasaúde) informa que “aguarda que suas associadas recebam e tenham o prazo estabelecido na regulamentação para análise, verificação de certeza e liquidez e recurso, se for o caso”. Em nota, a Abramge, que representa os planos de saúde, não avaliou o impacto da nova regra nas contas das empresas, mas destacou que “recomenda às operadoras associadas que continuem cumprindo as normas vigentes do setor de saúde suplementar”.


Matéria retirada do link:  http://oglobo.globo.com/economia/defesa-do-consumidor/governo-exige-mais-ressarcimento-de-planos-de-saude-ao-sus-16101541#ixzz3ZnHSStzn

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